Cauê Alves | Henrique Oliveira - Para Além da Brasilidade | 2013 13/09/2013 O processo de internacionalização das artes e o que se convencionou chamar de globalização gerou longos debates sobre a diluição de identidades nacionais e o reforço de singularidades locais. Alguns artistas que surgiram no interior das vanguardas construtivas no Brasil, como Hélio Oiticica e Lygia Clark, apenas para citar os mais aclamados, tornaram-se referências históricas em diversos países, inclusive na Europa. Partindo da matriz construtiva, esses artistas realizaram experimentos que envolvem o corpo e incluíram a participação do espectador. Ao mesmo tempo em que eles colaboraram no alargamento das fronteiras das artes, foram inseridos numa categoria genérica de Arte Brasileira ou Latina. A arquitetura e a utopia de Brasília, capital federal planejada, sonho moderno e civilizatório, assim como a música de Tom Jobim e João Gilberto, marcam também certa visão internacional de brasilidade. A possibilidade de fazer da falta de recursos força expressiva, relevante nos anos de 1960 no Cinema Novo brasileiro, ou as soluções provisórias que tendem a se perpetuar, a chamada estética do precário, estão aos poucos substituindo o estereótipo de samba, carnaval e futebol que dominou o imaginário sobre o Brasil.
A obra de Henrique Oliveira dialoga com certa tradição da arte no Brasil, mas vai além da mera troca de um estereótipo por outro. O reaproveitamento de madeiras usadas, mais do que um mero improviso técnico, é uma opção que dá sentido ao seu trabalho. Trata-se de se apropriar da dimensão temporal presente na superfície desgastada e desbotada do compensado. A reutilização de materiais não tem relação com qualquer discurso ecológico ou de sustentabilidade, mas se origina de uma questão visual, da aparência dos tapumes que isolam as construções tão presentes na vida de todo habitante de grandes centros urbanos como São Paulo. O ato de recorrer a fragmentos de madeiras com diferentes texturas e tons nasceu da necessidade interna do trabalho. A trajetória de Oliveira se iniciou na pintura e, aos poucos, se deslocou do plano para o espaço tridimensional. As instalações realizadas com tapumes são antes de tudo grandes colagens de cores e placas que reinventam arquiteturas e nelas provocam interferências. Não se trata, entretanto, de um percurso linear e pré-determinado, como se a chegada à pintura expandida fosse uma consequência incontornável que obrigaria o artista a abandonar a tela para reencontrar a pintura fora dela. O artista continuou a realizar pinturas sobre tela e planas em paralelo àquelas em que o público pode entrar e percorrer caminhos como se estivesse dentro de entranhas e vísceras. É como se suas instalações pictóricas revelassem órgãos e estruturas, alguns já podres, que existem por dentro das paredes e que não podem mais ficar encobertos pela pseudoneutralidade da sala branca tradicional de exposições. A aparência orgânica e fluida que os trabalhos de Oliveira possuem não é apenas uma forma vazia, mas diz muito da vida contemporânea. As suas instalações provocam modificações que pressupõem a mobilidade do espaço, uma espécie de flexibilidade que caracteriza o mundo atual. Elas trazem dentro de si o próprio fluxo do tempo e de tudo o que é passageiro. É como se a arquitetura, depois da intervenção de Oliveira, deixasse de possuir uma forma ortogonal definida. Os compensados se ajustam e agem no espaço como bolhas inchadas na iminência de explodirem, como se fossem um líquido viscoso que está sempre pronto para escorrer e seguir outros caminhos. Num período no qual o que parece mais estável no mundo é a própria mudança, o aspecto de não permanente, a instabilidade, e a dimensão temporal que esses trabalhos apresentam adquire um sentido amplo. Algo da precariedade dos barracos de compensado construídos em muitas das favelas brasileiras reaparece aqui. Essas construções estão continuamente em processo, nunca estão completamente concluídas. É como se estivessem em constante movimento, o que indica a inserção do tempo no interior do espaço. Nesse sentido, seria possível vislumbrar um discurso político-social dessas obras. Mas se ele está presente na mimetização de estratégias construtivas é como parte integrante do campo da estética, e não como uma área separada associada a alguma atitude panfletária. As instalações de Oliveira provocam estranhamento, há algo de um universo onírico e imaginário bem particular, mas sem perder o dado de realidade: como a palheta de cores dos tapumes e a materialidade de algumas construções da cidade. A obra de Oliveira é fruto de sua formação no Brasil em contato com a cena internacional, seja na academia, seja porque o artista tem viajado com frequência, realizando residências artísticas e exposto em muitos países. O estado atual da arte contemporânea pressupõe grandes deslocamentos num tempo cada vez mais acelerado e, talvez por isso, seu trabalho se aproxima das contradições entre regional e global. Apesar da tendência ao desenraizamento cultural presente em grandes feiras e bienais de arte, que trazem obras cada vez mais parecidas, os deslocamentos que Henrique Oliveira vem realizando não corroboram a dissolução de especificidades locais na arte contemporânea. Ao contrário, sua obra revela, para além dos estereótipos, que no interior da singularidade de um trabalho pode residir a sua dimensão universal. |