Felipe Scovino | Sólidos Moles | 2013 23/06/2013 Experimentar a obra de Henrique Oliveira é lidar com um estado de incertezas. Pôr em suspensão o que entendíamos como sendo escultura, pintura e instalação. O fato é que Oliveira nunca deixa de articular esses suportes quando realiza suas obras. Mesmo em suas pinturas, estão lá os veios da madeira que utiliza em suas esculturas instalativas. Esta relação permanece quando elege como título e motivo pintores, meios ou obras icônicas da história da pintura como aconteceu em Whirlwind for Turner (2007), The Origin of the Third World (2010) ou Brushstroke (2011). Oliveira mistura realidade e ficção, construindo uma obra que é permeada por referências tão díspares como história da arte, biologia, arquitetura e filmes B de ficção científica. Estamos fundamentalmente diante de organismos, estruturas vivas, formas em expansão que invadem e se instalam no cubo branco mudando radicalmente, no caso das esculturas maiores, a funcionalidade e a arquitetura daquele lugar. Elas não se instalam suavemente, pelo contrário, estufam e implodem o ambiente (como foi, por exemplo, na VII Bienal do Mercosul na qual a madeira parecia invadir todos os “poros” da casa em que a escultura estava instalada) ou são como cavernas ou veias que precisam ser percorridas e experimentadas. Dois artistas, cada um a seu modo, são referências assumidas para Oliveira. A sucessão de camadas e sobreposição de tinta a óleo nas telas de Iberê Camargo, sustentando a aparição de uma massa viva e pulsante e o empasto das pinturas de Frank Auerbach são práticas que criam um vínculo com sua obra. A forma como a cor cria uma crosta, uma pele que recobre não só as pinturas de Oliveira mas especialmente suas esculturas. Ademais, as “pinceladas” sobre as esculturas são organizadas no momento da montagem, quando o artista distribui as madeiras – captadas de diversas fontes e em distintos estados de conservação – para construir o corpo de sua obra. A paleta está no chão, na rua, nas diversas fontes das quais o artista retira seu material.
Em artigo recente afirmei que Oliveira de certa forma domesticava a natureza da madeira, transformando-a em uma matéria mole, com a qual ele torce, dobra, esmaga ou expande. Condições que o colocariam, mediante esse processo de distorção da matéria, próximo às Obras Moles (1964) de Lygia Clark, ao metal compactado e pictórico de John Chamberlain ou a maciez restrita aos olhos de Claes Oldenburg. Em Oliveira, a possibilidade de atravessar, “cheirar a madeira” ao invés dos materiais não orgânicos utilizados por Oldenburg, identificar os veios, a sujeira e os remendos feitos pelo artista na junção da madeira, cria uma nova qualidade para se experimentar a obra. E mais do que isso, ela engana o nosso olhar: nos parecem materiais moles, ou melhor, que a madeira se tornou flexível, e foi facilmente retorcida ou o que o chão foi quebrado pela força da natureza. Há algo mágico e ilusório percorrendo a obra. Em Desnatureza (2011) um tronco retorcido perfura dois andares da galeria levando consigo o chão e o teto do edifício. Sua obra oscila entre uma escala audaciosa e a abertura para a discussão sobre uma vertente que permeia o cenário contemporâneo das artes visuais: a ideia de espetacularização da obra de arte. Contudo, sua obra está longe de ativar uma prática lúdica, esvaziada de sentidos, e vou além: sua obra teria tudo para ser espetacular, mas ao contrário disso, ela preserva sua autonomia como poesia. Rasgar o chão da galeria, provocar vertigens no espectador, desestabilizar nossas convicções, tornar visível a ideia de madeira como pele não são atributos dispensáveis, mas afirmam a potência dessa obra. Por outro lado a instância da rua é uma ideia que atravessa sua obra. Não apenas o material utilizado – a madeira que muitas vezes vem de um descarte – mas a forma que é atribuída às suas obras. Uma de suas primeiras séries - Tapumes (2003) - remete às formas arquitetônicas e precárias das favelas, na qual as casas são montadas por meio de restos de madeira formando mosaicos com cores, volumes e texturas completamente distintas. Essa apropriação da rua, de um artista atento ao seu entorno, mas que se mantém a parte de uma discussão panfletária, guardada as suas singularidades, estabelece uma forma de diálogo com os Novos Realistas, e em especial com Jacques Villeglè, Mimmo Rotella e Raymond Hains (os três que haviam feito parte do movimento ultra-letrista nos anos 1950), que foram artistas que tiveram a rua como tema e suporte, e mais do que isso o uso de uma linguagem viva e dinâmica. Na pintura dos quatro há a presença de um elemento orgânico e ao mesmo tempo de permanente acontecimento. São formas que estão sempre a vibrar e a se expandir (no caso dos novos realistas o pôster é ao mesmo tempo “tela” e experimentação pictórica), aludindo metaforicamente a uma impermanência e desestabilizando o seu próprio estado como figura bidimensional. Finalmente, é curiosa a forma como sua obra lida com dois estados tão antagônicos: a veemência na sua aparição ao mundo e o modo sutil como experimentamos a sua obra. São acúmulos de materiais, formas gigantes no espaço, mas em muitos casos especialmente suaves como acontece em Nuvem (2008), um conjunto denso de colchões, almofadas e tecidos pairando sobre o ar. A potência de sua obra está em lidar com antagonismos (pintura/escultura, inacabado/obra de arte, virulência/poesia, magia/ciência, entre outros) e transformar essas experiências numa possibilidade de tornar o nosso olhar mais sensível em relação ao mundo. Cf. SCOVINO, Felipe. Odyssée Organique. L’Officiel Art. n.4. December/January/February 2013, pp. 112-117. |